segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Positivo

Por Maria Gabriela Brito

Andou de um lado para o outro no banheiro. Parou cabisbaixa em frente a pia, levantou os olhos e observou no espelho seu rosto inchado de tanto chorar. Passou os dedos entre os cabelos louros e cheios, os cachos subiam e desciam em movimento de mola. Resolveu sentar. Fechou a tampa da privada e acomodou-se ali mesmo. A cabeça debruçada sob as mãos latejava muito.
“Positivo...” pensou ela. O pensamento apoderou-se de sua mente fazendo sua cabeça latejar mais um pouco. “Positivo! Positivo? Positivo...”. Ela não sabia o que pensar, a imagem do teste de gravidez sinalizando positivo simplesmente não saia da cabeça dela. As lágrimas escorriam por seu rosto, fazendo a cor azul de seus olhos ficar ainda mais azul.
Levantando a cabeça, procurou o teste pelo banheiro. Estava jogado sob o tapete rosa berrante bordado com os escritos “Barbie” em branco e uma estrelinha ao final da palavra. Por um momento ela observou o tapete. “Patético”; pensou. “Pa-té-ti-co” falou em voz alta seguida de uma risadinha desesperada. Olhou ao seu redor. O banheiro era todo “patético” como ela mesma havia definido.
O piso era rosa bebê, as paredes eram em ladrilhos brancos rodeadas por duas fileiras ao meio em ladrilho rosa escuro. A cerâmica da pia, vaso sanitário e bidê, assim como toalhas de rosto e banho, além da moldura do espelho, também eram rosa. Em cima da pia haviam cremes, uma pasta dental sabor tutti-frutti e uma escova de dente, é claro, rosa.
“Rosa, porque essa cor?” raciocinou afastando por alguns segundos a imagem do teste de gravidez. Logo ela lembrou: rosa era a cor do teste ao indicar positivo. Aquela ligação fez com que a menina desabasse em lágrimas novamente. “Não pode estar certo, foi só aquela vez”. Ela lembrou do dia em que saiu mais cedo da escola e andou alguns quarteirões até a casa do namorado, que havia faltado a aula.
Os pais estavam no trabalho. Conversa vai, conversa vem, beijos e amassos; mãos e pernas. Gemidos. “Foi bom”. Aquela lembrança a fez arrepiar inteira. Um suspiro a trouxe de volta a realidade de seu banheiro adolescente. Ainda sentada na tampa do vaso ela decidiu levantar. Deu uma boa olhada no espelho e jogou uma água fria no rosto. Ficou parada por alguns instantes observando seu rosto redondo e infantil.
“Pareço um bebê” pensou. “Um bebê cuidando de outro bebê”, a idéia a fez rir um pouco. Olhou para baixo e passou as mãos sob a barriga lisinha. Ela levantou a blusa e se observou no espelho. O piercing refletiu a luz e brilhou um pouco. Abaixou a blusa e sentou no seu tapete da Barbie abraçando as pernas e escondendo o rosto em uma das mãos. Mais calma começou a pensar no próximo passo.
“Vou ter que contar para minha mãe e depois ela conta pro meu pai” por um momento ela esqueceu do namorado. Não queria contar pra ele. Queria esquecer ele, queria distância dele. “Ele não vai querer, eu também não quero...”. Analisou as possibilidades. “Não vou conseguir fazer isso”. Ela simplesmente não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo com ela.
Já havia visto em filmes situações assim, lido em revistas, mas não havia imaginado com ela. Era ela agora. Ela era a personagem de filmes, ela era a menina da revista. Resolveu sair do banheiro e dar uma volta no quarteirão. Tirou a camiseta de uniforme e vestiu uma regatinha azul que exibia parte de sua barriga. Manteve a calça que estava e o all star xadrez de azul e lilás.
Saiu de casa sem se despedir de ninguém. Andou um pouco e se deparou com uma farmácia. Pensou. Pensou de novo. Entrou e comprou outro teste. Voltou correndo para casa como um maratonista a segundos da vitória. Entrou no local da aflição novamente: o banheiro. Fez tudo o que o teste dizia, esperou um pouco e minutos depois o resultado: negativo. Depois daquele dia, ela não quis mais saber do namorado e fez de tudo para aproveitar o que restava de sua infância. Que ainda fazia parte dela.