terça-feira, 1 de junho de 2010

T - continuação

Por Mônica Salmazo

Continuação

Por que justo comigo?

Ela saiu pela porta da frente de sua casa, aflita e totalmente desnorteada, Tatiana percebeu as antigas bicicletas que ela e Valentina costumavam andar quando crianças, as bicicletas eram grandes para crianças, mas elas gostavam mesmo assim. Como um relâmpago ela subiu na bicicleta e saiu disparada para a rua.

Pedalou em direção ao sol, pedalou durante segundos, minutos, ou seriam horas? As lágrimas não paravam de rolar em seu rosto branco pálido. O vento gélido rasgava sua pele, como mil pontas afiadas de facas, todas cravadas em seu coração.
Do nada Tatiana parou, largou a bicicleta no chão e subiu um morro, alto e quase impossível de se alcançar o topo para quem o desconhecia, mas ele era bem familiar para ela. Se passaram tantos anos. Era incrível como a infância desaparece e a adolescência toma lugar de tudo, substitui os lugares sagrados por festas e paqueras. Faz o mundo mudar, faz tudo o que era simples tornar-se extremamente confuso. Como ela queria a mãe. Não tinha mais ela, não tinha mais a melhor amiga, não tinha mais o namorado. Isso machucava tanto.
Os pés eram arrastados cada vez mais inconscientemente, o sol estava se pondo, o céu era tingido por raios vermelhos e laranjas, o frio era cada vez mais forte, dentro dela era tudo tão oco. A grande árvore ainda era a mesma, a casinha de madeira ainda estava lá, o presente que seus pais lhe dera era lindo, muito caro, mas suas condições financeiras sempre foram muito boas, nas tábuas ainda era visível as inscrições:
"V e T amigas para sempre".
Tatiana subiu no antigo esconderijo, o refúgio dela de infância, o único lugar onde poderia se esconder e planejar ficar ali até morrer de frio. Na verdade a morte seria algo muito exagerado, mas no momento ela não conseguia pensar em nada, nem mesmo em vingança, em raiva, em pena, em indiferença ou em palavras para dizer. Só queria ficar ali até a dor passar.
Sentada na velha tábua olhando o sol se por, na tentativa de se aquecer com aqueles filetes dourados vindos do horizonte, Tatiana quase caiu de lá quando ouviu uma voz masculina dizer: "Quem é você?"
Ao virar-se avistou na porta de entrada da casinha um garoto jovem, deveria ter uns 22 anos, vestia um uniforme verde e marrom totalmente brega com a inscrição "Jardinagem dos Freitas", o cabelo dourado como o sol e sensualmente ondulado, olhos verdes como safiras e lábios rosas como mangas. O corpo atlético era resultado de dias trabalhando com a inchada, o bronzeado deveria ser do sol diário e o cheiro doce de rosas era tão forte que parecia ser ele a própria flor.
Aos olhos dele ela era uma completa estranha, uma estranha linda, que apesar de ter o rosto branco como a neve, manchado com a maquiagem, era evidente que ela estava chorando, era óbvio que ela estava sozinha. Meu Deus como ela era perfeita, as pequenas mãos estavam pousadas nas pernas que balançavam no ar, enrolada na grande saia que era lambida pela brisa da altura.
Como intuição ele sentou ao lado dela e ficou olhando o sol, ela se afastou um pouco e continuou calada, olhando o horizonte, não importava quem era ou o que faria com ela, nada mais importava mesmo. Era bom não estar sozinha, mesmo assim a dor continuava, não a abandonava nem um instante. A pele estava arrepiada por causa do frio, os olhos estavam secos agora, não havia mais lágrimas, não havia mais uma sequer lágrima para escorrer, os cantos dos olhos doíam de tanto chorar, estavam secos e ela não conseguia fechá-los.
Uma blusa grande e pesada foi posta em seus ombros, ela havia esquecido por uns instantes que estava acompanhada. Ele se levantou e abriu uma parte do assoalho, tirou cobertores e uma lanterna. Como ele conhecia esse lugar? O SEU lugar? Não estava abandonado? Como ele conseguia ser tão lindo?
Ele pegou suas mãos e a colocou nos cobertores. Sentou-se na porta e ficou ali olhando o manto negro que agora envolvia tudo. Sem ao menos perceber ela pegou no sono. Teve pesadelos perturbadores, não estava entendendo mais nada.Quando acordou viu a familiar mobília do seu quarto. Tudo não passava de um sonho?
Ela ainda sentia a angústia, a dor, tudo o que havia sentido.
Levantou lentamente da cama, os pés quentes alcançaram o macio tapete persa que a mãe havia comprado antes de falecer, a camiseta grande do pai quase caía de seu corpo quando estava em pé. Os olhos ainda doíam, mas não estavam borrados e nem nada, o rosto não estava inchado, o que será que estava acontecendo?
O sol fortíssimo do lado de fora entrava pela janela do quarto. Ela caminhou até a janela como todas as manhãs, para esquentar-se um pouco e, ao invés de ver o habitual quintal gramado, ela viu ele ali, o mesmo de seus sonhos, plantando margaridas em seu jardim.