segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Maria

Por Maria Gabriela Brito

Quando nasceu sua mãe não pensou duas vezes ao escolher seu nome: “Maria, como a santa”. O pai era um pobre coitado que mal tinha onde cair morto, a mãe era uma órfã herdeira de uma grande fortuna. Despreparado e apavorado, o pai fugiu sem deixar rastros, abandonando Maria e sua mãe.
As duas eram a única família uma da outra. Maria foi criada no conforto e no carinho da mãe. Estudou nas melhores escolas. Porém, a menina sempre fora meio perturbada, a ausência do pai e a falta de outros familiares mexiam com a cabeça dela. Na formatura do terceiro colegial, Maria observou as mesas de seus colegas: lotadas. A dela: duas cadeiras, ela e a mãe.
Aos dezessete anos, não agüentava mais aquele ambiente, ela e a mãe, ela e a mãe. Era muito grata a tudo que possuía, havia sido muito bem criada, mas aos poucos foi saindo de casa e procurando outras bandas. Começou a freqüentar boates gays, onde a moral era outra e a orgia corria solta.
Beijou meninas, beijou meninos, beijou gays, cheirou pó. A mãe não percebia a situação em que a filha estava. Maria sabia disfarçar: o nome e a cara eram de santa. Começou a vender seu corpo. Conheceu meninas que faziam o mesmo, porque ela também não podia? Dinheiro era a última coisa que ela precisava, mas ela gostava de um capricho.
Maria era um prato cheio para qualquer psicólogo, a ausência do pai causava nela uma busca incessante por uma presença masculina. Aos dezoito anos, sexo era tudo o que passava pela sua cabeça. A faculdade particular de engenharia mecatrônica fora mais um motivo para procurar homens. O curso era formado por 94% de homens e 93% já haviam passado a noite com Maria.
Aqueles gritos a enfeitiçavam enquanto ela estava em ação: “Maria!”. Ganhou muito dinheiro com o que fazia. Ás vezes ela não cobrava. Passou a freqüentar novos lugares, conhecer homens mais velhos. Aqueles meninos já não sabiam satisfazer seu desejo. A mãe já era uma completa ausente em sua vida. Maria nunca estava em casa, inventava trabalhos e trabalhos para manter-se afastada e a noite procurava quem iria saciá-la.
Foi em um desses botecos baratos que Maria conheceu Humberto. Quarentão atraente. Cabelos semi-grisalhos bem aparados, rosto jovial, pele morena e corpo de trintão. Maria não hesitou em puxar papo. Humberto logo se atraiu pelas pernas grossas e torneadas e seios fartos de Maria. A pele branca e os cabelos escuros, deixavam visíveis os olhos verdes marcantes, realçados por lápis e rímel preto.
A conversa foi longe, Maria não conseguia mais conter a vontade de ter aquele homem dentro dela. Convidou-o para ir até sua casa, onde sua mãe dormia tranquilamente. Ao entrar pela porta grande de madeira, Maria deparou-se com uma luz acesa, a mãe estava concentrada na leitura de um livro, Maria tentou subir para seu quarto sem barulho, mas Humberto ficou parado observando a casa.
“Adriana?”, falou Humberto indignado. A mãe de Maria, sentada de costas para a porta por onde eles entraram, olhou por cima dos ombros e não pode acreditar no que seus olhos estavam vendo. O pai de Maria. Adriana viu os dois de mãos dadas e descontrolada perguntou o que Maria fazia com ele. A garota sem saber o que fazer, fitou os dois e soltou a mão de Humberto agressiva.
“Quem é ele mãe?”. “Mãe?”. Humberto não podia se conter mais diante da presença da filha que ele abandonara vinte anos atrás. “Seu pai” falou a mãe já não conseguindo esconder as lágrimas de pavor pela situação. “O que você fez com ela?”-“eu não encostei nela, Adriana”.
Maria observou a cena que sempre quis vivenciar: uma briga de pai e mãe, mas aquilo não era bem o que ela imaginava, quase fora para cama com seu pai, sentiu tesão por ele, aquilo era repugnante. O tão esperado encontro entre pai e filha aconteceu da pior maneira possível. Adriana mandou Humberto para fora de suas vidas e afirmou que ele já havia causado sofrimento o suficiente.
Humberto, que ainda não queria a responsabilidade de uma filha, sumiu mais uma vez, sem deixar rastros. Maria e a mãe nunca mais tocaram no assunto. Maria graduou-se com vinte e dois anos e nem o mundo, ela ou a mãe a consideravam mais uma santa como quando nasceu.