Por Mônica Salmazo
À la francesa. Tinha cabelos curtos estilo Channel. Cantarolava músicas de Françoise Hardy, Edith Piaf, Mireille Mathieu, Carla Bruni, Raoul de Juglart, Charles Aznavour, Francis Cabrel entre outros. Cachecóis e botas altas vaziam parte da vestimenta. Acompanhada por óculos Claude. A onda era ser francesa. Pelo menos essa era a ideia que ela queria acreditar. Laura acreditava nisso e, portanto, seu mundo poderia acreditar também.
Passavam das onze horas da noite quando ela decidiu sentar-se em um bar. Ao som de La Question de Françoise Hardy ela avistou o pequeno nariz arrebitado pedir um Aligot (purê de batatas misturadas com queijo Tomme). O sotaque era inconfundível. As sapatilhas em tom terra combinavam com o chapéu de aba larga de mesmo tom. Seu vestido ia até os joelhos e formavam um profundo decote nas costas e na frente, preso pelo cinto costurado ao modelito. A bolsa creme era pequena e havia um chaveiro da Veuve Clicquot.
Laura ficara hipnotizada, olhando a bela jovem sentada na mesa ao lado esperando sua refeição. Como ela era bonita. Após este dia ela passou a ir todos os dias ao mesmo restaurante para encontrar a tal francesinha. Nunca mais a vira.
Foi deitada na grama da praça escutando seu mp3 que começou a escutar uma música muito conhecida por ela e desconhecida para o resto dos brasileiros: Je T'aimais, Je T'aime, Je T'aimerai de Francis Cabrel ao som de violão.
Ali estava ela, sentada na grama com um violão e uma pasta de músicas, tentando tocar a canção. Sua voz era doce e aguda, fazia com que a frequência nos deixasse estasiados, na ansia de escutá-la cada vez mais.
Foi quando os pequenos olhos verdes sobrecaíram em Laura. A pequena francesa continuou cantando os versos "Quoi que tu fasses, l'amour est partout où tu regardes, dans les moindres recoins de l'espace...".
Foi quando Laura começou a acompanhar a música e as duas cantaram juntas tarde adentro. A amizade surgiu em forma de versos e melodias. Não haviam muitas conversas uma vez que nenhuma das duas sabiam o mesmo idioma. E durante semanas o encontro na praça era quase religioso. Duas garotas com seus violões e suas músicas francesas.
Laura reparava nas pequenas mãos da francesa. Tudo parecia pequeno e delicado.
Faltavam apenas 2 horas para a francesa ir embora e esta tarde no parque não havia nada além do silêncio.
Foi quando Laura foi surpreendida quando a outra disse em sotaque arrastado e com as maçãs do rosto vermelhas de timidez: "Meu nome é Amery. É um prazer te conhecer. Vou sentir sua falta". Os pequenos lábios vermelhos tocaram a boca de Laura e como um súbito surto elas se beijaram suavemente. Os lábios formigavam e a espessura da grama nas mãos delas pareciam que poderiam ser sentidas em cada centímetro.
Durante minutos a fio elas ficaram ali, entregues aos desejo infinito que haviam acumulado. Não ligaram para o que os outros deveriam falar delas. Não ligavam se as duas eram mulheres. Não ligavam se tudo parecia confuso. Só queriam sentir. Sentir cada intensidade e onda elétrica que percorria seus corpos.
Era realmente uma pena que Amery precisasse ir embora.
Antes de ir embora Amery deu um gostoso sorriso para Laura e lhe entregou uma letra de uma música em francês e foi embora.
Passados alguns anos, Laura tornara-se uma famosa Chef de cozinha. Não casara. Não tinha ninguém além de sua gata chamada Amélie. Tornara-se professora de francês nas horas vagas e adorava tocar violão na grama de casa. Não esquecera a amiga e, para manter viva a lembrança, passara a compor músicas.
Estava em sua pequena casa em São Roque, quando escutou na televisão uma voz conhecida. Uma voz doce e aguda. A letra não era desconhecida. O prato de bolinhos que estava em suas mãos fora ao chão quando avistou Amery cantando. A mesma canção que entregara à ela anos antes. As lágrimas vieram aos olhos. Os lábios ficaram quentes e os olhos se fecharam, buscando na imaginação tudo aquilo que acontecera, a saudade que sentira.
Amery não a havia esquecido.