sexta-feira, 19 de março de 2010

Pra sempre?

Por Maria Gabriela Brito

Seu coração disparou de uma maneira que parecia estar prestes a sair pela boca. Ele estava logo ali, do outro lado da rua, em frente a uma banca de revistas. Provavelmente comprando cigarros ou uma daquelas revistas que ele gostava, com muita mulher pelada com cara de vadia.
O fluxo de carros era intenso. A via de mão dupla não parava por um minuto sequer naquele horário de rush, às seis da tarde. Ela estava prestes a atravessar para o outro lado quando o avistou. Não podia ser vista por ele de maneira alguma. Ainda bem que o viu a tempo de mudar de caminho.
Engraçado como esses caminhos, que agora não podiam se cruzar, haviam sido o mesmo há um ano. Era um amor sem limites, de infância. Os dois ficaram juntos por sete anos. Eram amigos, irmãos. Cresceram e se descobriram juntos. O que eles tinham era puro, natural.
E foi esse o problema. Juntos desde os 13 anos era impossível não saber exatamente do que o outro gostava, ou queria. Eles nem precisavam trocar palavras para conversar. Pode parecer legal na teoria, mas na prática não funcionava. Quer dizer, para ela sim, e pelo visto para ele não.
Pouco antes de terminarem o namoro, ela descobriu que ele estava saindo com uma mocinha da turma dele na faculdade há cerca de seis meses. Uma de suas amigas fofoqueiras que a havia informado. “A irmã da prima de uma amiga minha é da sala deles”, contou a informante.
Foi demais para acreditar. Ela dedicava-se inteiramente a ele. Tinha prometido toda a sua vida a ele. Não dava para engolir, e ela preferiu fingir que nunca havia escutado nada a respeito, afinal ele continuava o mesmo com ela. Além disso, eles eram feitos um para o outro, e iam se casar assim que terminassem a faculdade.
Foi quando veio a confirmação. Os dois estudavam em lugares diferentes e em horários diferentes, e se viam quase que exclusivamente aos finais de semana. Mas naquele dia ela teve saudades e decidiu fazer aqueles biscoitos que ele adorava para surpreendê-lo no intervalo de suas aulas.
Pelo horário, ele só poderia estar na cantina. E estava mesmo, como sempre. Mas não estava sozinho. O rosto estava a menos de um palmo de distância do rosto da outra. . As mãos entrelaçadas eram quase que uma só, e o olhar era de menino apaixonado. Até havia se esquecido daquele olhar. Doeu ver aquilo, mas foi embora sem falar nada.
Deixou a caixinha de biscoitos com a mãe dele, junto com uma carta terminando tudo. Ele ligou insistentemente para ela por quatro longos e sofridos meses. Procurou-a na faculdade, em sua casa, mas eles não se encontraram. Ela preferiu assim. E agora ele estava ali, apenas a alguns metros dela.
Apesar de não terem mais nada, eles nunca haviam conversado sobre o fim do relacionamento. Ela sofreu sozinha por todo aquele ano em que não se falaram. Mas ela não queria ser vista por ele, não fazia sentido ter que cumprimentá-lo casualmente, como alguém sem importância.
O coração doeu como naquele dia em que o avistou com a outra. E disparou também, daquele mesmo jeito que disparava quando o via chegando perto dela no recreio da escola. Perguntou a si mesma se ele e aquela menina ainda estavam juntos. Torceu para estarem, e para serem felizes.
Mesmo querendo ir embora dali, suas pernas insistiram em ficar alguns segundos travadas. Era ainda mais triste vê-lo e ignorá-lo. Como se sete anos não significassem nada, como se eles nem se conhecessem. Depois que saiu daquele transe, mudou sua rota, e partiu por um caminho contrário ao dele. Ela sabia que ele também iria preferir assim.

terça-feira, 16 de março de 2010

Blue Key

Por Mônica Salmazo


Camila já não entendia como fora parar ali. Tudo parecia tão distante agora. Olhava-se no espelho e não acreditava que aquela carinha de menina ainda estava ali apesar de todos os anos que se passaram.

“Como eu sou velha para uma garota de apenas 20 anos” – disse para si.

A essa altura tudo começara a ser questionado. Teria feito a coisa certa?

Estava passeando no shopping com as amigas naquele dia. A calça era novinha em folha e, apesar de não ter dinheiro algum, conseguira comprá-la na promoção de ponta de estoque em algumas vezes no cartão da mãe.

Tentava se manter sempre atualizada, na moda, na “onda”. Apesar de ser a única de classe média da turma ela tentava de tudo para parecer “cool” como as outras garotas de sua idade.
Camila não era grande coisa, mas sua estatura chamava atenção.

“Não agüento mais ser a girafa da turma, por que eu tenho que ser tão alta com apenas 13 anos hein?” – perguntava para Aline, sua melhor amiga.

“Não sei do que você reclama, quando você ficar mais velha vai agradecer ser alta assim, dizem que encolhemos quando velhos” – respondeu a amiga. Detalhe: era muito baixinha para sua idade.

Na praça de alimentação do shopping havia uma sorveteria onde as meninas foram sentar e conversar. Ela não sabia, mas sua vida estava para mudar.

“Oi, meu nome é George, gostaria de entrevistá-la” – disse de repente um homem alto com mechas azuis no cabelo e um anel grande de caveira, vestia um blazer preto com uma calça jeans bem alinhada com o sapatênis.

“Porque me entrevistar? Eu sou motivo de sarro agora?” – respondeu ela.

“Modelo, acho que você pode se tornar uma. E das boas.”

“Mas para isso tem que ser perfeita, eu não sou isso aí.”

“A perfeição não existe, tudo é criado pelo homem querida.”

E agora estava ali, parada em frente à janela onde vazava o cheiro gélido dos jardins do Chateau Frontenac. Ao longe as luzes de natal eram incontáveis nos Champs-Elysees e nas avenidas que cobriam Paris. Será que teria feito a coisa certa?

Quando tinha 13 anos fez sua primeira aparição: uma revista local. As fotos ficaram ótimas e George resolveu levá-la para São Paulo. Tudo fora difícil no começo, havia completado 14 anos a pouco tempo e ainda não sabia o que deveria fazer. Mas George cuidou bem dela, ensinou a desfilar, a estudar moda, postura, etiqueta, construiu um network para ela e até mesmo a levava para passear e fazer compras.

Com o tempo ela fora crescendo, tanto de tamanho como no mundo da moda. Suas fotos já eram estampadas em revistas como Nova, Cláudia, Capricho, TPM e Marie Clair, entre outras. A imagem de mulher já formara uma pequena menina de 15 anos. Ela já era desejada e poderosa de acordo com as entrevistas, revistas, fotos e blogs da internet.

Não suportava essa vida de modelo, odiava ter que ficar longe das amigas e da família. Dois anos se passara, mas ela não acostumara-se com tudo isso, na verdade só agüentava por que algo maior a prendia ali: George.

Com seu jeito de vestir ele tentava aparentar ser mais velho do que era, mas 25 já era uma idade meio “avançada” para uma garotinha de 15 anos, e uma idade elevada para um modelo, por isso virara produtor. Ela não se importava com isso. E nem ele.

Entre os desfiles na passarela e algumas seções de fotos, os dois começaram um caso de amor, de confiança, de cumplicidade e sexo. A fama era cada vez maior, entrevistas para revistas comoVanity Fair, Vogue, Cosmopolitan, People, Loggia, Elle e etc. eram comuns. Desfiles para grifes internacionais era cotidiano: Dolce & Gabbana, Louis Vuitton, H&m, Hermes, Gucci, Cartier, Zara, Chanel, Esprit.

Em pouco tempo Camila conheceu o mundo inteiro, desde coquetéis em luxuosos hotéis em Paris, como festas em Tokyo, reuniões em New York, resorts em Sydney, passeios em Londres, compras em Milão, México, Peru, Rússia, Alemanha, Tailândia, África do Sul, Marrocos, Grécia, Espanha... ela era famosa e rica, finalmente rica.

George estava estranho agora que ia se formar na Scuola Leonardo da Vinci em Milão, resolvera virar estilista para lançar sua grife. Camila o apoiava em todos os aspectos. Chegou a fazer sucesso nas festas em que ia com algumas das roupas que ele desenhara exclusivamente para ela. Mas ele estava diferente.

Com o tempo sua vida de modelo foi aumentando na Europa, era o auge da sua carreira, agora tinha 18 anos e tudo em suas mãos, ou quase tudo.

“Vou me mudar” – anunciou George.

“Para onde vamos?” – respondeu ela.

“Eu vou. Você fica.”

“Não estou entendendo George” – a voz aflita saía de sua boca.

“Você precisa ficar aqui. Sua vida está aqui na Europa. Estou me mudando para os Estados Unidos, pretendo terminar meus estudos por lá, recebi uma ótima proposta.”

Apesar das lágrimas começarem a congestionar seus olhos e a garganta, ela se virou e foi trabalhar. Ela sabia que ele não estaria lá quando ela voltasse, mesmo assim seguiu adiante. Sua vida deveria seguir em frente, ela não deveria ficar sempre à sombra de George.

Agora que voltara para o quarto de hotel em Paris percebera o quanto tudo estava silencioso e, pela primeira vez em anos, se sentiu abandonada, solitária, triste. Era dezembro e a cidade estava repleta de neve e, mesmo com a baixa temperatura, abriu uma das janelas e ficou admirando os Champs-Elysees. Teria feito a coisa certa?

Teria tomado a decisão certa quando cedeu aquela primeira entrevista à George? Ou quando os pais a deixaram seguir sua carreira? Quando abandonou a família e as amigas para ir em busca de um sonho?

Sonho. Agora que estava sozinha não parecia tão bom. Era uma mulher magra demais, alta demais, triste demais. “Nada disso foi o que eu imaginei pra mim.”

Agora não tinha volta, tudo já havia acontecido, a solução era seguir em frente.

Passados três anos a grife de George fazia fama mundial, Du Poir era uma das marcas mais caras do mundo. Tudo havia sido superado. “O jovem estilista George Du Poir foi encontrado morto hoje em seu apartamento na Quinta Avenida de New York.Segundo relatório da polícia ele sofrera um ataque cardíaco enquanto dormia...”

As palavras entraram em sua mente como mil facas cortando sua pele. O coração pulsava enquanto ela tentava encontrar um lugar onde sentar.

“E agora?”

Seu celular toca e ela vê a mensagem recebida: “Querida, você sabe que eu sempre te amei, está na hora de te dar todo o esforço da minha vida. Espero que goste. Do seu amado George”.
Sem dizer uma palavra ela abriu a porta que era socada por um homem alto e de aspecto doentio.

“A Senhorita é Camila?”

“Sim”

“Isto é para a senhorita” – entregou um envelope com uma chave. Uma estranha chave em formato de borboleta azul com pedras azuis e detalhes dourados. Dizia: “BOX 45, PORTO DA MARINHA”.

Aos tropeços ela correu para lá. Em um daqueles enormes containers havia uma fechadura prata. Ela esperou alguns minutos, com medo de ver o que havia dentro. Ficou ali observando-o calada, ouvindo as ondas baterem contra os navios ancorados no porto. Seu sono foi leve e agradável. George aparecia nele. Nunca se esquecera. Nem um minuto sequer.

Quando acordou era tarde. Tudo estava escuro. Ela finalmente resolveu abri-lo. Com um clique suave as portas foram destrancadas e lá dentro, havia toda a coleção de roupas que George desenhara. Todas com desenhos rabiscados em uma modelo perfeitamente como ela. Aliás, era ela.

Tudo o que fizera durante estes anos foi desenhar roupas e acessórios que combinariam com Camila, com seu jeito, com seus pensamentos, ações, atitudes, movimentos e etc. E mesmo que tudo fosse sombra, Camila sabia que não estava sozinha. Nunca esteve. George sempre iria amá-la.

Camila usou em seu casamento o vestido que o ex-namorado fizera. Abandonara a vida de modelo, estava farta de aparentar ser o que não era, de passar fome, de ficar noites sem dormir, meses sem ver a família e tudo isso pra quê? Para ensinar às jovens que ser bela é ser magra, alta, rica, sensual, poderosa, inteligente... perfeita?

“A perfeição não existe, tudo é criado pelo homem querida”.