domingo, 26 de junho de 2011

Seus olhos e seus olhares

Por Maria Gabriela Brito

Ele tinha os olhos mais tristes e incríveis que ela já havia visto em toda a sua vida. Ele andava carrancudo, com o corpo encurvado e pesado, como se carregasse o mundo todo nas costas. Mas era lindo, e aqueles olhos, tão comuns e ao mesmo tempo tão perfeitos. Eram olhos de um castanho escuro, opacos, sem vida. Intrigantes pelo menos para ela.

Todo dia ela o via passar pela rua onde esperava o ônibus de manhã para o trabalho. Apesar do andar pesado, ele caminhava tão livre em sua calça cargo verde-oliva, tênis gigante para seus pés e camiseta branca respingada de tinta azul. Ela se perguntava se a calça era a mesma, ou se ele tinha várias exatamente iguais e porque as camisetas da mesma cor estavam cada dia com mais respingos de tinta.

Depois que ela o via passar, sem nem mesmo olhar para os lados, a ignorando totalmente, ela ficava imaginando para onde ele ia e o que fazia com aquele andar de quem ia para a forca. Ela o imaginava indo a uma praça onde uma multidão o aguardava para assisti-lo sendo enforcado, ou andando por uma prancha de um navio, onde seria atirado aos tubarões. Mas definitivamente não podia ser nada daquilo, caso contrário ele não estaria lá no dia seguinte com aquela mesma expressão e aqueles olhos tão misteriosos que insistiam em não olhá-la.

Naquele dia quando ele passou, ela não deixou por menos e foi atrás. Quem ele pensava que era para nunca olhar para os lados? Ou melhor, para ela. Aquilo tinha que parar, era mistério demais para conviver. Enquanto o seguia chegou a pensar que nem mesmo ele sabia ao certo para onde ir.
Foi então que ele parou parecendo meio intrigado. Olhou para os lados como se soubesse que estava sendo seguido, ela virou imediatamente de costas, e quando ele não viu ninguém, sentou-se em uma mesa na calçada de uma padaria pouco atrativa.

Deu mais uma boa olhada ao redor e retirou de um de seus bolsos um bolo de papel amarrado com barbante, depois, de outro bolso saíram lápis de cor e nanquim, e de um terceiro bolso, tinta e pincel. Agora ela entendia porque ele andava como se carregasse o mundo. Ele realmente o carregava!

Uma moça com expressão de tédio trouxe a ele um café com chantilly e um cinzeiro. Ela sabia exatamente o que ele precisava. “Então é ali que ele se esconde do mundo”, pensou ela. Sem saber o que fazer, e por já ter praticamente perdido a manhã de trabalho, quiçá até o trabalho, resolveu entrar na padaria e comer uns pães de queijo talvez.

Quando ela chegou ao estabelecimento, pronta para entrar e ignorá-lo, ele a viu e levou um susto tão grande que esbarrou em um potinho de tinta azul que caiu na calçada. Ela olhou para trás para encarar aqueles olhos tristes, mas os olhos não estavam tristes, estavam envergonhados, e quando ela olhou para os papéis reconheceu a si mesma.

Era ela pintada naqueles papéis embolados, sentada em um ponto de ônibus, destacada entre uma multidão, com o longo cabelo castanho claro caído nos ombros, e os olhos mais azuis do que ela imaginava que realmente eram. Completamente paralisada, voltou a encarar os olhos do rapaz, que agora não estavam mais envergonhados, tampouco tristes. Eles sorriam para ela de uma forma tão doce que foi impossível não sorrir de volta.