Por Maria Gabriela Brito
Naquele dia ele saiu nervoso de casa. O olhar estava pesado e abatido. A noite mal dormida refletiu no rosto que exibia uma expressão cansada. Deixou o carro na garagem e decidiu ir de ônibus para o trabalho.
Vestia um terno preto e andava sob o sol escaldante. Por um momento se arrependera de ter deixado o carro com ar condicionado em casa. Sentou-se no ponto no aguardo do coletivo. Naquela hora lembrou da esposa que ficara em casa preparando o café que ele recusara. Ele nem se despediu dela.
Bateu nele uma tristeza imensa. O casamento já não era um mar de rosas. A luta para ter um bebê transformara o relacionamento em um fardo. Nenhum dos dois conseguia entender o que os fazia continuar com aquilo. Ela já não o via como antes e ele nem mesmo a via mais. Os diálogos eram objetivos e a conversa curta.
Pensar no casamento fez o homem ficar chateado. Ele queria entender o que fizera de errado e se fora ele o culpado. Perdido em seus pensamentos não percebeu que o ônibus passara. Quando se deu conta, já era tarde, o veículo dobrava a esquina. Deu um suspiro profundo e decidiu ir a pé mesmo, afinal eram apenas meia hora de caminhada e ele precisava se exercitar.
Há anos havia largado a academia, além disso, começara a fumar. E foi o que ele fez naquele momento. Ficou em pé e procurou na maleta de couro marrom o maço. Acendeu um cigarro e pôs-se a caminhar. Quando foi firmar o passo, uma mão veio lhe apertar o braço.
Pronto para descontar toda a raiva acumulada naquele ser ele percebeu que se tratava de um jovem cego. “Senhor, me ajuda a atravessar essa rua? Movimentada, né?” falou o rapaz que não devia ter mais de 17 anos. Sentindo-se um pouco embaraçado por quase desaguar um mar de problemas no moço, ele se prontificou a ajudá-lo.
E lá foram os dois lentamente pela movimentada avenida. O rapaz cego não falava nada e pensava sabe-se lá no quê. O empresário antes nervoso ia ficando mais calmo a cada passo. Observava o rapaz que exibia um curioso sorriso estilo Mona Lisa, daqueles indecifráveis. Ele parecia verdadeiramente feliz.
A situação o deixava cada vez mais envergonhado. O jovem caminhou tranqüilo e sorridente até o outro lado da rua, enquanto ele reclamou a manhã toda da vida que levava. Finalmente os dois chegaram à calçada. Ele estava mais leve. O moço agradeceu e se despediu.
Ele ficou para trás apenas observando o cego seguir adiante, abrindo espaço por entre toda aquela gente com sua bengala. Depois daquela situação uma maré de positivismo se abateu sobre ele. Olhou para o relógio e viu que ainda dava tempo. Tempo de chegar ao trabalho, tempo de se despedir da esposa e quem sabe, tempo de salvar seu casamento.
O jovem cego de alguma forma o afetou, fazendo-o ver o que estava perdendo. Sua vida passava diante de seus olhos e ele mantinha-se cego a tudo que acontecia ao seu redor. Ele correu, correu o máximo que pôde. Brecou em frente uma floricultura, comprou uma rosa vermelha e pôs-se a correr de novo.
Chegou em casa transpirando, parou em frente a porta, ajeitou a gravata e entrou. A mulher estava no quarto arrumando a cama. Ele entrou e beijou-a intensamente, em seguida entregou a ela a rosa. A esposa emocionada chorou. Naquela manhã ele viu a esposa como nunca vira antes.
Algumas semanas depois veio a confirmação da gravidez. Nove meses mais tarde o mundo dava boas vindas a Vitória. E o executivo nunca mais viu a vida da mesma maneira.
sexta-feira, 29 de maio de 2009
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Que lindo!!! quem das três postou esse aqui??? Aposto que foi a Gabi...
ResponderExcluirÉ às vezes agente fica reclamando da familia, do fato de ter perdido o onibus eqto mta gente não tem familia e nem pernas p caminhar... belíssimo conto
Pow Gabi, já tinha passado por aqui algumas vezes mais nunca parei para ler algo, mais depois de hoje, vo dar uma passadinha aqui sempre, o texto fico muuito bom, e você falou sobre algo que devíamos perceber com mais facilidade, como são tolas as nossas preocupações perto de tantas outras coisas. Tá de Parabéns! ;*
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