sábado, 1 de novembro de 2008

Quarta-Feira

Por Maria Gabriela Brito


Era espontânea, mas o que mais chamava a atenção era sua beleza. Até que gostava de ir à escola, menos na quarta-feira, sua explicação era “quarta-feira é dia de ficar a toa”, talvez ela não soubesse que havia nascido em uma quarta-feira muito movimentada.
Não chegava a ser a melhor aluna da sala, algumas vezes até pegou recuperação. Suas provas de recuperação eram sempre na quarta-feira; “típico” ela pensava. Gostava de usar os cabelos presos em um rabo-de-cavalo, o que exibia seus traços finos, porém marcantes que destacavam perfeitamente sua personalidade.
Não existia razão para usar os cabelos presos, afinal eles eram compridos, lisos, fortes, pretos e vistosos, mas de alguma maneira o penteado lhe caia muito bem, e ela sabia disso. Os olhos eram brilhantes e tão pretos como o cabelo. Era possível saber quando ela estava olhando para algum lugar, seu olhar penetrava, chegava a doer.
Seus hobbies e manias encaixavam-se perfeitamente em uma menina de sua idade. Cinema, clube, revistas, garotos e caprichos. Ela era desejada. Cinco em cada três meninos da escola a queriam, e não eram apenas eles: O professor de história já teve sonhos eróticos com ela e o de filosofia já pensou nela enquanto estava no banheiro. 
Às vezes ela era metida, convencida, irritante com toda sua graça e beleza. Sabia que era bonita, entretanto, sua mente imatura ainda não tinha mostrado a ela o poder que tinha nas mãos. Menina de treze anos. Inocente? Talvez não. Ela só não entendia porque sempre conseguia o que queria. Apesar da popularidade, era de poucos amigos. Duas para ser mais específica.
Em uma quarta-feira de Dezembro, poucos iam à escola, afinal, eram férias de verão. “Maldita recuperação” lamentava-se. Saiu de casa de manhã, despediu-se da mãe, e do irmão, ainda bebê, recusou a corona do pai. Foi a pé, eram apenas quatro quadras, dez minutos sem pressa e sete na correria.
Assovios eram constantes quando ela passava por lugares onde haviam homens, afinal, o corpo era bem formado, e o rosto muito chamativo. Ignorava. Uma buzina seguida de seu nome chamou sua atenção, era o professor de matemática. Ele era bonito e casado, ela gostava dele, parecia honesto.
Ele ofereceu carona, pensou em recusar, mas acabou aceitando. Ela observou o professor, e a palavra que encontrou para defini-lo naquele dia foi “estranho”. Ele contou que foi dispensado da escola. “Sinto muito” ela falou cabisbaixa. Percebeu também que ele estava sem aliança, resolveu não tocar no assunto.
A entrada da escola passou e ele acelerou o carro. Ela apenas o encarou. Ficando preocupada questionou-o, a resposta foi um seco “fica tranqüila”. Não tinha como ficar tranqüila, ela não sabia para onde estava indo, nem o que podia acontecer, mas imaginou que quarta-feira é dia de ficar a toa e não de acontecer tragédias.
A idéia não a tranqüilizou. Finalmente o carro parou em uma garagem. Ele entrou. Estava muito escuro. O coração dela acelerou, ela não quis gritar, estava assustada demais, ficou imóvel, sem reação. Ele soltou seu cinto, ela continuou parada. Partiu para cima dela e começou a acariciar os seios pequenos.
“Sua beleza vai ser sua maldição” foi o que ele disse antes de abrir a calça dela. Calmamente ele colocou uma mão por dentro da calcinha. Não dava para ver o rosto dele. Ela estava tão assustada que desmaiou.
O professor não fez nada com ela a partir de então. Ele estava com raiva dela, por ser tão bonita, com raiva da linda esposa que o abandonou, com raiva da linda filha que faleceu, com raiva das lindas coisas que existiam no mundo. Ele quis se vingar de alguma coisa bela.
Ficou parado por um instante, esperou que ela retomasse os sentidos. Ele só falou “vá para a escola”. Ela não reagiu. Ele a deixou a metros antes da entrada, a menina desceu, e seguiu com um olhar vago. Entrou pela porta principal, sua cabeça estava a mil.

Era quarta-feira e quando ela olhou para mim naquela manhã, não doeu.

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