segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Acabou a Luz

Por Maria Gabriela Brito


Eles estavam casados há 30 anos e tinham apenas um filho adulto que havia construído sua vida e família em uma cidade vizinha. A conversa entre os dois há muito tempo era curta e objetiva. “Você já foi ao supermercado? Acabou meu creme de barbear”, ou ainda, “A encanação do banheiro não está boa, depois chama um encanador”.
Não se ouvia mais os “eu te amo” do começo do relacionamento quando os dois tinham apenas 18 anos. Tornaram-se completos estranhos que dividiam a mesma casa, a mesma história e por incrível que pareça, a mesma cama. A única coisa que ainda tinham em comum era o filho.
Cada um tinha rotinas distintas, e há muito tempo o programa de um já não incluía o outro. A noite ela lia um livro na cama e ele assistia ao futebol na sala, as visitas ao filho eram feitas separadas, nenhum dos dois sabia porquê, mas acabou que um dia ficou assim e não mudou mais.
Todas as noites eram a mesma coisa, os dois moravam juntos, mas cada um sentia uma solidão imensa dentro de si. Em uma dessas noites comuns e rotineiras a casa ficou sem energia. Ela morria de medo de escuro, tanto é que a única atitude carinhosa que ainda existia entre eles, era que ele apagava a luz apenas depois que ela dormisse.
Na hora do ocorrido, ela saiu do quarto correndo e gritando pelo marido, ele foi ao encontro dela para acalmá-la. Os dois saíram de casa e perceberam que a luz havia sido cortada no bairro inteiro. Voltaram juntos para dentro, procuraram uma vela e sentaram na sala em um silêncio ensurdecedor.
Depois de 15 minutos que pareciam ter durado horas, ela finalmente puxou assunto.

-Que dia você vai visitar o Júnior?

-Não sei, por quê?

-Há... sei lá, tava pensando da gente ir junto.

Ele ficou bem espantado e surpreso com a proposta da esposa, mas não viu motivos para recusar. O silêncio voltou por mais alguns segundos, quando foi quebrado mais uma vez por ela.

-O que foi que aconteceu com a gente?

Ele sinceramente não soube responder. Os dois ficaram parados, pensando e olhando para o nada, pensando no amor intenso, no amor romântico, depois no amor sólido, o respeitoso, depois no amor conformado e agora? Qual era o amor deles? A verdade é que nenhum dos dois sabia se existia amor, o que os dois haviam construído era muito maior que isso, mas será que ainda significava alguma coisa?
Depois de 30 anos juntos, enfrentaram todas as adversidades e alegrias que a vida podia oferecer. Eles se criaram juntos, aprenderam a viver, juntos. Pela primeira vez em muitos anos os dois pararam para pensar nos dois, e a conclusão que chegaram? Ainda dava tempo de cada um correr atrás de sua própria vida.
A luz da casa voltou alguns minutos depois, cada um voltou para sua rotina noturna, no dia seguinte ele saiu de casa e procurou um advogado. Depois do divórcio a luz também voltou para a vida deles.

Um comentário:

  1. Gabi seus contos são otimos!
    Você consegue uma coisa que muitos escritores, pricipalmente amadores ou que estão começando agora, não conseguem...
    Você consegue fazer com que agente se enxergue nos personagens, mesmo sendo o marido, a esposa ou o filho...
    Pensamentos que já tivemos, angustias que sentimos, mas preferimos esconde-las...
    É triste quando o que agente achava que era amor acaba e cai na monotonia... :(

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